quinta-feira, 18 de agosto de 2011

E porque não? (história)

  Estou sozinha, tenho a casa só para mim. É bom porque até posso fazer "o que quiser". No entanto, sem ninguém, tenho vontade de falar e não posso (já que pretendo obter uma resposta). 
  A televisão é monótona, dá sempre o mesmo. Os livros, que contam histórias, não percebem que por vezes também eu tenho histórias para escrever e que, por isso, nem sempre lhes posso dar a atenção que pretendem. Acabo sentada na chaise longue a ver os programas habituais da hora, até adormecer de tédio.
*
  Sinto-me em movimento. Estou num sítio onde nunca estive. Talvez numa estrada deserta em plena Austrália. Sim, sem dúvida. Sentada ao pé do condutor, tenho a perspectiva perfeita da paisagem harmoniosa do interior da ilha, enquanto a percorro. Rapidamente me apercebo que parti numa daquelas longas viagens, como nos filmes, naqueles carros descapotáveis clássicos, com o vento a bater-me nos cabelos, fumando um cigarro e partilhando vivências com amigos que nunca tinha visto antes. 
  Discutíamos um sítio decente para passar a noite. 
  -"Nem penses, não quero acampar. Tenho medo à noite"- a rapariga sentada atrás de mim resistia à única solução possível. 
  -"Oh, vá lá Mel, é só uma noite! Além disso podes sempre dormir ao pé de mim, eu protejo-te"- o rapaz ao lado dela tentava acalmar a situação. 
  Todos rimos. A Mel era morena, tinha o cabelo curto. Bonita, cara de modelo. 
  -"Claro Edu. Tu? Proteges-me?"- sempre céptica. 
  O Edu, loiro, alto, giro, fez-lhe cócegas e beijou-a.
  O carro parou. 
  -"É mesmo aqui pessoal. Este sítio é... perfeito"- o rapaz-condutor saiu do carro, encostou-se ao capot e acendeu um cigarro, contemplando a sua "escolha territorial". 
  Com roupas tipicamente descontraídas, bronzeados e doridos da viagem, observámos o local. Era um sítio realmente perfeito, seco e meio árido, onde o sol tocava a terra num perfeito e colorido pôr-do-sol. 
  -"Não agradeçam, se não fosse eu dormíamos no carro"- prosseguiu. 
  -"É lindo Liam. Só espero não ter nenhuma surpresa"- a Mel continuava a não gostar da ideia de acampar.    
  -"Vamos montar a tenta Mel"- chamou o Edu -"Eles já lá vão ter". 
  O Liam abraçou-me, ainda encostado ao carro. Beijou-me na testa e olhou para mim. Naquele momento deparei-me com os olhos mais profundos que alguma vez tinha fixado e que de alguma maneira provocaram em mim algo docemente assustador.
  *
  Abro os olhos. 
  De volta à sala, "Donas de Casa Desesperadas" na TV. A minha mãe está sentada ao pé de mim; pergunta-me com foi a "siesta". Respondo: "mãe, um dia, quando emigrar para a Austrália ou assim, vou esforçar-me para ter uma vida ainda melhor que a que tenho agora. E, depois de ter atingido a estabilidade geral da coisa, ainda hei-de comprar um descapotável clássico".


6 comentários: